quinta-feira, 10 de maio de 2012

ENTRE ATENAS E JERUSALÉM: A FILOSOFIA LEVINASIANA


Entre Atenas e Jerusalém: A Filosofia levinasiana.

Prof. Ronaldo Mainardes Lemes Pinheiro

« Il y a eu plusieurs Lévinas : le philosophe, le penseur, l´ exégète, l´ enseignant, le 
prisonnier... » (Salomon Malka)


Para compreendermos o pensamento de Emmanuel Lévinas, nós precisaremos contextualizá-lo na sua maneira de pensar judaica e no seu contato com o Ocidente, fundamentada na cultura grega. Assim, a filosofia levinasiana se encontra entre a filosofia grega e a sabedoria judaica e, ao refletir a Ética, nasce o conceito do rosto do outrem como uma forma original de pensar a alteridade filosoficamente.
Lévinas carrega em sua filosofia uma inspiração judaica, na qual não podemos negar, mas não podemos classificá-lo como um filósofo judeu, como ele mesmo se define: “não sou um pensador judeu, sou um pensador”. Ou seja, ele era um filósofo e também um judeu praticante, que comentava e escrevia sobre o judaísmo de maneira espetacular assim como desenvolvia a sua filosofia. As obras filosóficas e as obras judaicas de Lévinas na França estão publicadas em diferentes editoras e ele sempre foi cauteloso ao tratar o seu judaísmo no campo filosófico. O que Lévinas almejava entre a Filosofia e o Judaísmo, era a versão da mensagem Ética do Judaísmo para a Filosofia, sendo a filosofia grega aquela que evidência o argumento, a razão.
Para Lévinas a sociedade ocidental é ‘hipócrita’, pois tenta abarcar ao mesmo tempo os filósofos e os profetas, que não são sincrônicos, mas diacrônicos. Os filósofos e os teólogos não compreenderam esta dinâmica e não se deixaram ouvir pelo ‘dizer’ da Bíblia e da Filosofia. Sendo assim, para ele a tarefa da Filosofia seria: “a sabedoria do amor a serviço do amor, além do Ser, no serviço da Justiça”.
Deste modo, a filosofia levinasiana esta ligada a sabedoria judaica e a filosofia grega, tendo como base a alteridade, para uma compreensão ética na Filosofia.
A Filosofia de Emmanuel Lévinas surge em meio aos traumas e às violências do século XX, ou seja, as duas grandes Guerras Mundiais e a experiência da Shoa (Holocausto),assim ele reflete: O que levou a tudo isso?
Questionando a ontologia ocidental como filosofia primeira, Lévinas fundamenta a sua filosofia ética, colocando em questão a totalidade, na qual a filosofia ocidental nos levou, concluindo ser a reflexão ontológica.
Emmanuel Lévinas nasceu no berço de uma família judia da pequena burguesia da Lituânia (no dia 12 de janeiro de 1906 na cidade de Kaunas - na época Kovno - na fronteira com a Letônia e com a Rússia). Seu pai tinha uma livraria em sua pequena cidade. Ele cresceu em meio aos livros e teve acesso à cultura Russa e leu Dostoïevski e outros autores, afirmando que por meio da literatura e da Bíblia chegou à Filosofia.
Em 1923, aos 17 anos foi para França, onde aprendeu a língua francesa e começou seus estudos de Filosofia na Universidade de Strasbourg. Seguiu os cursos e conheceu Charles Blondel e tornou-se grande amigo de Maurice Blanchot que durante a Segunda Guerra Mundial ajudou sua família. Em pouco tempo na França, ele se torna apaixonado por esta terra acolhedora, assim ele descreveu em um bom francês sua imagem e sua experiência. « Elle fut la découverte d`une nation á laquelle on peut appartenir par l´esprit et par le coeur autant que par les racines ».
Decidindo-se aprofundar em Filosofia, entre os anos de 1928 – 1929, Lévinas foi para Fribourg, onde se tornou aluno dos filósofos Edmund Husserl e Martin Heidegger.
Emmanuel Lévinas foi quem introduziu a Fenomenologia na França em 1930 e traduziu o texto Meditações cartesianas de Edmund Husserl para a língua francesa e no mesmo ano publicou La Théorie de l´intuition dans la phénoménologie de Husserl, sendo a primeira obra que divulgou aos filósofos franceses a fenomenologia de Husserl.
Em seus estudos da fenomenologia de Husserl, o jovem filósofo encontrou um rigor do método que o seduziu e na qual ele se manteve fiel em sua caminhada, mesmo quando ele se afastaria dela. Na busca da fenomenologia, Lévinas foi para Alemanha ver Husserl, mas acabou vendo Heidegger.
Todas as manhãs, Lévinas se arrumava para ir ao lotado anfiteatro da Universidade de Fribourg para escutar o autor de Sein und Zeit. Heidegger lhe marcou, estando presente em suas obras e em sua cabeça;

Foi uma fascinação e repulsão juntas desde o primeiro dia, admiração que jamais foi desmentida por causa da obra Ser e Tempo, mas houve a ruptura que foi um tanto quanto radical, em 1933 com o discurso do Reitorado (MALKA 2003 p. 23.)


O comprometimento de Heidegger com o Nacional Socialismo foi traumático para Lévinas e determinou o caminho de suas obras, pois pensava em publicar um livro sobre Heidegger, mas o abandou, por não estar de acordo que o filósofo admirado, tinha se tornado nazista, por mais curto que tenha sido este período.
 Na França, antes da guerra, Lévinas assimilou os métodos e os pensamentos filosóficos de Husserl e Heidegger, que eram novos para si e para todos os filósofos franceses e fez algumas publicações, mas ele reservou o seu lado judeu dentro de si.
Quando explodiu a II Guerra Mundial em 1939, Lévinas foi capturado e feito prisioneiro pelos alemães. A sua esposa e sua filha se refugiaram na casa de amigos como Maurice Blanchot e em conventos de religiosasLévinas foi obrigado passar cinco anos em exílio e viu a violência nazista pela qual nunca pôde esquecer a marca do ódio do homem contra o outro homem. Foi no cativeiro que escreveu a maior parte da sua obra de L`existence á l`existant que fora publicado em 1947, dois anos após o final da guerra.
Heidegger, o filósofo que ele admirava, foi feito reitor da Universidade de Fribourg e pronunciou a servidão ao poder nazista assim que aderiu ao nacional-socialismo (partido dos nazistas). Lévinas foi muito influenciado por Heidegger, de quem carregou grande admiração pela sua representatividade na história da filosofia. Mas depois de Shoa, Lévinas se afastou desta filosofia do ser, que pela filosofia racionalista ocidental é “incapaz de sair de si mesma”.
Esta experiência marcou Emmanuel Lévinas:

A guerra, a experiência do cativeiro em um stalag em Fillinfsbotel, perto de Hanovre, e depois na Libération, a descoberta da morte dos seus, na Lituânia. Todos massacrados, seu pai, sua mãe, seus irmãos... Tudo isto determinará o seu caminho. (MALKA, 2003. p.24)

Simon Critchley conta que Emmanuel Lévinas, em uma das raras observações autobiográficas, refere que sua vida fora dominada pela memória do horror nazista.
Tendo sobrevivido aos massacres do Lendemain de la Libération, acontecimento que Lévinas sempre chamou por esse nome e sempre escreveu com letra maiúscula – ele se empenha na reconstrução espiritual do Judaísmo na França, pelo estudo sistemático do Talmud, que não tinha a intenção filosófica, mas acabara por fecundar a filosofia levinasiana.
Depois da guerra, o filósofo se torna educador. O introdutor da fenomenologia na França nega uma carreira universitária e se torna o diretor da École normale israélite orientale, o que sentiu como um ‘chamado’ na época. Neste período, conheceu o senhor Chouchani, com quem foi estudar o Talmud e lhe fez redescobrir a sabedoria judaica. Lévinas então começou a dar um curso sobre Rachi, fez bastantes publicações e deu várias palestras, como por exemplo, sobre “O nome de Deus nas leituras talmúdicas” em Roma, a pedido de um filósofo próximo do papa Paulo VI e começou a dar aulas nas universidades de Poitiés, na Sorbonne Paris e em Fribourg, na Suíça.
Na atmosfera intelectual de Paris pós-guerra, dominada pelo existencialismo de Jean Paul Sartre, as obras de Emmanuel Lévinas atraiam pouco interesse, mas mesmo assim, Lévinas brincava que sua imortalidade filosófica estava segura, pois fora ele que introduzira Sartre na fenomenologia na década de 1930.
Foi a partir das experiências feitas da Shoa, na Segunda Guerra mundial que Lévinas se perguntou enquanto judeu, onde ele se encontrava na filosofia ocidental ou se a tragédia vivida não o questionava a fazer outra reflexão, dando valor ao outro, pois pela concepção ontológica, segundo ele, o homem continuava prisioneiro de um mundo tragicamente insensato, marcado pela violência e não libertava ninguém.
Durante a Shoa e as outras calamidades do século XX, para Lévinas, houve um fracasso em se reconhecer a humanidade do outro, onde a pessoa se tornou um rosto em meio à multidão e as interações sociais não foram sustentadas pelas relações éticas, sendo que a relação ética é aquela em que eu encaro a outra pessoa e guardo distância, porque a distância implica respeito e essa relação é que o nacional-socialismo perdeu com seu antissemitismo. Lévinas redescobre a sabedoria bíblica do respeito do outro, que fundamentou sua filosofia ética, podendo ser resumida nas palavras, como sempre dizia: “Après vous, Monsieur”, ou seja, pelos atos cotidianos de hospitalidade, cordialidade e gentileza.
Até a década de 1960 Lévinas foi conhecido no cenário filosófico como interprete de Husserl.
 Lévinas é essencialmente um fenomenológo, assim ele aplica o método fenomenológico na vida cotidiana de uma forma filosoficamente respeitada, mas a sua filosofia esta associada à tese da ética como primeira filosofia, sendo seu esforço descrever a relação com a outra pessoa, que ele chamou de relação “face - a- fase”, não se pretendendo a questão do ser - metafísico, mas o problema cotidiano e concreto do ser humano, a relação ética
.Em contato com fontes como Franz Rosenzweing e inspirando-se espiritualmente em Martin Buber, reafirmou sua identidade judaica e refletiu a filosofia ética, se baseando nos eventos que tinha vivido e bebendo nas fontes do judaísmo, como as tradições mosaicas e talmúdicas, assim reconsiderando inteiramente a tradição filosófica ocidental.
Em uma entrevista ao Le Monde, Lévinas mostrou sua redescoberta da ética no pensamento judaico:

Descobri através do pensamento judaico que a ética não é uma simples região do ser. O Encontro com o outro nos oferece o sentido primeiro, e nesse prolongamento encontramos todos os outros. A Ética é uma experiência decisiva. (LÉVINAS Apud BORDIN, 1998 p.27)

Ainda invocou seu escritor da sua adolescência, Dostoievski e as Sagradas Escrituras nos livros dos profetas, que marcam sua noção de responsabilidade, um dos pontos chaves de sua filosofia.

Se olharmos de perto os textos proféticos, perceberemos que o outro é descrito ali sempre como o mais fraco de nós. Tenho sempre uma obrigação para ele. Dostoievski, em irmãos Karamazov, diz que somos todos responsáveis por todo o mundo, e eu próprio ainda mais que os outros. Sou sempre responsável, cada um não pode ser trocado pelo outro. Aquilo que faço, ninguém pode fazê-lo em meu lugar. O núcleo da singularidade é a responsabilidade. (LÉVINAS Apud BORDIN 1998 p.28)

Indo sempre ao encontro do judaísmo, refletiu a Ética, que se dá quando os israelitas aceitam a Tora, que gera a responsabilidade, a qual vem antes da liberdade. Neste ponto, a responsabilidade é compreendida como responsabilidade para com o outro, que  para Lévinas não é questão do sentido do ser, mas a da alteridade.
“Do ponto de vista filosófico, a tarefa de Lévinas não foi a de escrever uma nova Ética, mas de mostrar que a perspectiva Ética deve ser o ponto de partida de toda a Filosofia”. A relação com o outro na filosofia levinasiana é uma tomada de consciência que gera conhecimento segundo uma responsabilidade ética para com o outro.
Assim, a filosofia e a história de Emmanuel Lévinas passaram por várias etapas para encontrar a reflexão ética e se mostrar original na forma de compreensão do outro e do rosto, inspirando-se na filosofia e na sabedoria judaica, que é sua marca na filosofia contemporânea.

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